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Suellen Dias de Andrade

Território da culinária caipira da Paulistânia: um modelo de regionalização

Dentre várias características que configuram a cultura caipira do Centro-Sul do Brasil,
a culinária é uma das mais notáveis. Desenvolvida desde os primeiros séculos de
colonização brasileira, a cozinha caipira é definida, basicamente, pela cultura do milho
somada a um considerável consumo de porco, ambos os alimentos produzidos e
processados nos sítios de São Paulo e suas áreas de influência. É certo que há outros
aspectos que qualificam a culinária caipira, entretanto, aqui nos propomos a defini-la
por seus elementos recorrentes, apreendidos na revisão sistemática da cultura
material e da cultura imaterial concernente ao espaço vivido. Sua formação está
intimamente ligada à economia de subsistência, ao fenômeno das bandeiras e à
presença destacada de indígenas guaranis no território paulista. Na hipótese de Dória
e Bastos (2018), a culinária caipira teria se originado nos Sertões do Leste do Brasil
a partir do século XVI e, posteriormente, teria se expandido como solução alimentar
bem além, alcançando grande parte da Paulistânia, a capitania de São Paulo em sua
máxima extensão. O objetivo deste trabalho foi delimitar as regiões descontínuas de
ocorrência da culinária caipira com base no método da modelização gráfica (ou
coremática), elaborado pelo geógrafo Roger Brunet (2001; 2021) e aplicado por Hervé
Théry (2004; 2005; 2014) ao território brasileiro. Para isso, primeiro, identificamos os
fatores que, em particular, nos apontam as lógicas espaciais da culinária caipira em
seu processo de formação e expansão, entre os séculos XVI e XIX, a partir de uma
revisão interdisciplinar – literária, histórica, geográfica, etnográfica e sociológica.
Depois, a modelização de tais fatores, inspirada nos modelos de Théry, constituiu o
alicerce de construção de uma representação gráfica que nos comunica o território da
cozinha caipira brasileira.

Palavras-chave: Culinária brasileira. Culinária caipira. Paulistânia. Regionalização.
Modelização gráfica.

Dissertação de Suellen Dias de Andrade

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Letícia Assis Michalczyk

Spotlight: a autoria de mulheres em Button Poetry

Neste trabalho, analisamos duas produções de autoria de mulheres no canal Button Poetry do YouTube relacionando-as ao enfrentamento de imposições patriarcais através da poesia. Traçamos um fio de estereótipos impostos às mulheres, utilizando WOOLF (1929; 1942; 1989), DE BEAUVOIR (2016) e PLATH (2014; 2019) para contextualizar a decisão de analisar a ideia de Manic Pixie Dream Girl (RABIN, 2007) com a performance de GATWOOD (2015) e os conflitos relacionados à saúde mental e traumas geracionais em mulheres com a performance de BENAIM (2014), no canal Button Poetry, no YouTube, em uma configuração literária em ambiente digital. Para investigar essa materialidade, utilizamos o viés discursivo-midiológico e da Análise do Discurso, utilizando teorias de Regis Debray e Dominique Maingueneau, ainda, traçando uma reflexão sobre literatura e novas mídias (ROCHA, 2016; 2019). Ao considerarmos o canal Button Poetry um mídium (DEBRAY, 2000), investigamos seu funcionamento na plataforma na qual está inserido com a perspectiva de sua Matéria Organizada e a Organização da Matéria (DEBRAY, 2000), assim como, utilizamos análises de performances de poesia slam (PINTO, 2017) e aquilo que transborda o literário (GARRAMUÑO, 2014). A partir do que foi exposto, analisaremos dois vídeos de autoria de mulheres no canal para perceber a produção relacionada a questões de gênero no ambiente digital.

Palavras-chave: Produção de Mulheres. Manic pixie dream girl. Button Poetry. Youtube. Mídium.

Dissertação Letícia Michalczyk

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Tiago Fabris Rendelli

Ritos genéticos editoriais em pequenas editoras: relações entre mídium e curadoria na poesia contemporânea

Esta dissertação, desenvolvida entre março 2018 e março de 2020, apresenta os resultados da pesquisa sobre o impacto dos ritos genéticos editoriais em pequenas editoras de poesia em conformidade com o estilo dos autores. Para tal, utilizamos os conceitos de (i) mídium, desenvolvidos por Régis Debray (1995), segundo o qual a transmissão de uma mensagem está amalgamada nas condições materiais e técnicas, amarradas a uma teia institucionalmente demarcada, e de (ii) ritos genéticos editoriais, de Luciana Salazar Salgado (2016), que são os procedimentos pelos quais os originais passam antes de serem publicados. O objetivo desse trabalho é demonstrar que os ritos genéticos editoriaisinfluenciam diretamente no estilo da poesia que está sendo publicada pelas casas editoriais selecionadas. Como base para essa análise, foram escolhidas quatro pequenas editoras: Penalux, Editora Moinhos, Editora Laranja Original e Editora Patuá. Foram realizadas entrevistas com os editores responsáveis com perguntas que perpassavam todas as etapas que envolvem uma publicação, desde o recebimento do original até o lançamento do livro. No primeiro capítulo, apresentamos a discussão teórica, considerando as definições do que são ritos genéticos editoriais, mídium, estilo e os relacionamos a uma perspectiva dos estudos da edição e do mercado editorial. O segundo capítulo apresenta a metodologia e as razões da escolha do editor para ser o centro dos questionamentos. O terceiro capítulo traz a análise das entrevistas à luz dos aspectos teóricos apresentados.

Palavras-chave: Poesia. Estilo. Mídium. Curadoria. Ritos genéticos editoriais.

Dissertação_Rendelli 

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Vitória Ferreira Doretto

A edição brasileira do objeto editorial “S.”: uma leitura do paradoxo de O Navio de Teseu

Neste trabalho tomamos a edição brasileira de S., de J.J. Abrams e Doug Dorst como um mídium (DEBRAY, 1993; 1995; 2000), uma confluência de modos de inscrição material e modos de circulação feita pela conjugação de instituições que endossam os discursos, que produzem objetos técnicos que lhes sustentam, ou seja, um vetor de sensibilidade que aponta para uma matriz de sociabilidade. Mostramos como este objeto editorial aponta para sua matriz de sociabilidade, a Editora Intrínseca, que participa de um sistema complexo de elementos constituintes do campo editorial, tratando de sua formalização material (FLUSSER, 2007), descrevendo os elementos que se relacionam com a dimensão material do objeto, colocando em relevo aspectos da matéria organizada de forma a abordarmos a obra como um vetor de sensibilidade. Descrevemos os detalhes de constituição da obra, isto é, os ritos genéticos editoriais (SALGADO, 2016) envolvidos para que ela pudesse ir a público. Também apresentamos as ações promocionais para o lançamento da edição original e da edição brasileira da obra, diferenciando o tipo de abordagem feito pelas editoras Mulholland Books e Intrínseca, de forma a mostrar como a editora brasileira apostou no uso da imagem e fama de Abrams, além de reforçar a ideia de que a obra é, na verdade, um livro-quebra-cabeça, uma experiência literária que poderia ser lida com as mesmas expectativas que se tem ao assistir a uma produção do cineasta estadunidense. Ao verificarmos como se deu a publicização de S., as formas como foi apresentado e como ele é um mídium, percebemos que sua materialidade e circulação amalgamadas produzem um fenômeno de recepção que lhe confere valor. Então, por nos interessarmos pelos sentidos emanados pela edição brasileira, nos detivemos também nas questões concernentes ao seu ethos discursivo (MAINGUENEAU, 2001; 2006). Por fim, S., por ser uma obra híbrida de livro e livro quebra-cabeça, se relaciona com as cenografias de jogos e do mundo do entretenimento, com as construções narrativas cinematográficas, apontando para funcionamentos dessa outra matriz atravessando a literatura, o que abre espaço para a criação de outros materiais, para a expansão de seu universo a partir de sua narrativa e materialidade e atinge seu objetivo: ser ao mesmo tempo um códice e um múltiplo, acompanhado de diversos materiais encartados, efêmeros, emulando a literatura.

Palavras-chave: Mídium. Espaço literário. Literatura norte-americana. Estudos de edição.

Dissertação_Doretto

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Livia Beatriz Damaceno

“Transparência”: produção e circulação de uma fórmula discursiva do neoliberalismo

Esta pesquisa se desenvolve no âmbito da análise do discurso de matriz francesa (conforme lineamentos atuais da disciplina, discutidos, entre outros, em MAINGUENEAU, 2015) acerca do termo “transparência”, que hipotetizamos ser uma fórmula discursiva por atender, em sua circulação atual, às propriedades propostas pela teoria de Krieg-Planque (2010), que são: ser uma estrutura formal cristalizada, funcionar numa dimensão discursiva, ter um caráter polêmico e estabelecer-se como um referente social. O tema investigado na pesquisa é importante para a compreensão de parte da conjuntura política atual, da forma como ela se materializa em diferentes grupos sociais, considerando que, nos dados observados preliminarmente, “transparência” se coloca, muitas vezes, como condição para o funcionamento das instituições. O levantamento das ocorrências do termo e suas variantes (como, por exemplo, “transparente”) se dá por meio da noção de percurso (MAINGUENEAU, 2015). A coleta das ocorrências é feita a partir dos aplicativos Google (Google Search, Google Tendências, Google Alertas), do buscador DuckDuckGo, em três protocolos de internet (IPs) distintos e desvinculados das contas Google, a fim de diversificar os resultados, evitando o viés de dispositivos pessoais. A análise dos sentidos mobilizados pelos atores sociais para compreender a dimensão discursiva e a dimensão polêmica da fórmula, e assim se voltar para a circulação dessa expressão, com o intuito de entender um pouco das práticas que cristalizam e, ao mesmo tempo, são instituídas por ela. Além disso, explora-se o funcionamento discursivo das relações de poder que permeiam essas práticas. Isto é, as disputas pelo sentido entre as instituições e os sujeitos, que ocorrem em um dado espaço público e em um dado momento, a forma como se produzem as subjetividades adaptadas à produção e aceitação da política e economia neoliberais. A pesquisa conclui que essa fórmula funciona como uma suposta cura para a corrupção, portanto é portadora de valor positivo, desejável e inquestionável, ao mesmo tempo em que é um vetor de demonização do que não é transparente.

Palavras-chave: Análise do Discurso francesa; Fórmula discursiva; Transparência.

Dissertação Damaceno

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Gustavo Primo

Ver o livro como buraco negro: a formalização material da Antologia da Literatura Fantástica, de Bioy Casares, Borges e Ocampo

Partindo de uma perspectiva que investiga a mediação editorial como constitutiva nos regimes de funcionamento do literário, levantamos a hipótese: sempre que uma obra literária é (re)publicada num novo objeto editorial, os imaginários sobre o texto literário e como ele deve circular são atualizados, deslocados, transformados. Tendo como base teórica princípios da Análise do Discurso de linha francesa, com foco no discurso literário, conforme propõe Maingueneau (2006), e com apoio em áreas de estudos afins, como a Midiologia, a História do Livro, o Design e a Semiologia dos Objetos, o objetivo principal do trabalho é investigar como a Antologia da Literatura Fantástica (ALF), organizada por Adolfo Bioy Casares, Jorge Luis Borges e Silvina Ocampo e publicada em 1940, pela portenha Editorial Sudamericana, materializa novos imaginários ao ser publicada pela brasileira Cosac Naify, 73 anos depois, em 2013. Metodologicamente, é possível identificar esses imaginários nos ethé projetados por uma cenografia discursiva que o livro, enquanto objeto do mundo, engendra. Essa cenografia se mostra pela conjunção entre os elementos textuais (textos que integram a antologia), paratextuais (textos de apoio, quarta-capa, colofão etc.), gráficos (capa, diagramação, tipografia etc.) e materiais (tamanho do livro, qualidade do papel, acabamento etc.) formalizados no livro. Um estudo descritivo revela como imaginários ligados à ALF se transformam e se deslocam, desde a primeira edição argentina, de 1940, passando por várias reedições, até a primeira edição brasileira, publicada pela editora Cosac Naify, em 2013. Ao longo dessa trajetória, a cenografia da ALF é feita num jogo paratópico entre lugar e não-lugar, pelo emprego de imagens, símbolos e temas relacionados ao fantástico ali concentrado, alimentando a força da obra. Ao mesmo tempo, a ALF passa por várias transformações que propiciam um apagamento dos processos editoriais que a constituíram, tornando-se um verdadeiro buraco negro: sua força implode num vórtice, cujo centro escuro, motor gravitacional, se percebe somente ao observarmos os vestígios (Debray, 1995) que há em seu entorno.

Palavras-chave: Materialidades do Literário, Formalização Material, Cenografia Discursiva.

Dissertação_Primo

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Marina Delege

Um estudo cenográfico da “ciência” divulgada na revista Pesquisa FAPESP

Esta pesquisa investiga os sentidos atribuídos à palavra “ciência” no discurso de divulgação científica tal como é construído em um importante dispositivo comunicacional: a revista Pesquisa FAPESP, que, aqui, é visto como um mídium (DEBRAY, 2000), ou seja, um vetor de sensibilidade que permite identificar sua matriz de sociabilidade, a FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pois se trata de um objeto editorial produzido para comunicação de resultados obtidos por uma das maiores agências de fomento à pesquisa do país, dado que mobiliza 1% da receita tributária acumulada no Estado de São Paulo por ano e, por exemplo, desembolsou R$1,058 bilhão em apoio a 24.026 projetos de pesquisa no ano de 2017, segundo o relatório de atividades FAPESP divulgado na edição n. 270 de agosto de 2018. Formamos um córpus com as primeiras 270 edições lançadas, o que inclui todos os números publicados entre agosto de 1995 e agosto de 2018, para realizarmos um levantamento descritivo de todas as edições com o intuito de mapear a gênese do discurso FAPESP, a fim de investigar os sentidos atribuídos a palavra “ciência” presente na divulgação científica realizada pela revista Pesquisa FAPESP, tomando por base os preceitos teóricos da análise do discurso francesa, mais especificamente, a teoria das cenas da enunciação proposta por Maingueneau (2008a), que contribui para a compreensão da discursivização textualizada na revista Pesquisa FAPESP, pois se trata da superfície textual na qual o regime discursivo faz funcionar seus valores e poderes.

Palavras-chave: ciência; cenas da enunciação; mídium; revista Pesquisa FAPESP.

Dissertação_Delege

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Pedro Alberto Ribeiro Pinto

Mídium e gestão da paratopia criadora: o trabalho inscricional do Clube Atlético Passarinheiro

Inscrevendo-se em certa tradição da Análise do Discurso derivada dos trabalhos de Dominique Maingueneau (2006) em uma interface com os estudos das materialidades do literário e da cultura, este trabalho tateia uma compreensão das identidades autorais do coletivo de poetas Clube Atlético Passarinheiro e de seus integrantes Luiza Romão, Ni Brisant e Victor Rodrigues, tomando a autoria como lugar discursivo ao qual remetem os textos, tanto nos seus modos de circulação quanto em sua malha textual (SALGADO, 2016a). Com tal objetivo em mente, esta dissertação debruça-se principalmente sobre os aspectos de trabalho inscricional do Clube, voltando ainda sobre um arquivo mais amplo que circunscreve o fenômeno dos slams de poesia, batalhas poéticas cuja crescente consolidação no Brasil e no mundo tem atuado como base para diferentes discursivizações do corpo, da voz e da poesia. Como corpus específico, toma determinadas materialidades relacionadas às primeiras práticas do coletivo quando de sua emergência, investigando as relações estabelecidas entre a configuração das instâncias constitutivas de sua paratopia criadora (MAINGUENEAU, 2006, p. 134) e o funcionamento mediológico de suas práticas, isto é, o modo particular como os vetores técnicos e os vetores institucionais se atravessam nesses processos discursivos.

Palavras-chave: discurso literário; mídium; paratopia criadora; clube atlético passarinheiro; slams de poesia.

Dissertação_Pedro Alberto Ribeiro Pinto

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Amanda Aparecida Chieregatti

Mídium e gestão dos espaços canônico e associado nas plataformas colaborativas Wattpad e Widbook

Esta pesquisa pretende compreender o funcionamento da autoria em plataformas colaborativas, utilizando a noção de paratopia criadora, um modelo teórico-metodológico proposto por Maingueneau (2012) para indicar um pertencimento paradoxal à instituição literária, que é compreendida em sua relação inextricável com dispositivos enunciativos que a tornam possível. Tomamos como objeto de análise duas plataformas colaborativas de autopublicação, Wattpad e Widbook, que funcionam como uma vitrine dos usuários-autores (que chamaremos a partir de determinado ponto desta dissertação de escribas) para atrair editoras convencionais e, assim, conferir credibilidade e legitimidade ao texto autoral. Em um período em que é cada vez maior o número de práticas de escrita e leitura proporcionadas por diferentes tecnologias, o livro impresso parece ser, ainda, responsável por conferir o status de escritor. Buscamos, portando, compreender a influência do mídium (DEBRAY, 1993; MAINGUENEAU, 2012) no modo como os textos postados nessas plataformas colaborativas são recebidos e como isso afeta o trabalho desses escribas, cujos textos recebem uma mediação não institucionalizada, por meio do que chamamos de escribas adjuvantes, usuários-leitores que comentam, questionam, fazem sugestões e, dessa forma, exercem poder sobre a produção autoral. Pretendemos, com isso, compreender como funciona a gestão da autoria em plataformas colaborativas, observando o entrelaçamento das instâncias constitutivas da paratopia criadora, pessoa, escritor e inscritor, bem como a gestão do espaço canônico e o decorrente espaço associado, já que essas plataformas obrigam que o usuário-autor seja responsável pela gestão do que produz e, também, do que se diz sobre o que produz.

Dissertação_Chieregatti

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Claudia Maria de Serrão

O processo de constituição do livro Dois Irmãos: uma análise da paratopia criadora de Milton Hatoum

A partir de uma abordagem derivada da Análise do Discurso de linha francesa e à luz do quadro teórico-metodológico proposto por Dominique Maingueneau em seus trabalhos voltados à investigação do discurso literário, esta dissertação analisa o processo de constituição do livro Dois Irmãos, do autor Milton Hatoum, a fim de descrever e interpretar os modos pelos quais a gestão da figura do autor soa sentidos na circulação, distribuição e recepção do produto literário. De acordo com nosso arcabouço teórico, podemos afirmar que, configurando-se como um discurso constituinte, o literário é presidido por um regime de funcionamento que mobiliza redes discursivas específicas, determinantes dos valores atribuídos às diferentes obras. Ainda com base nesta abordagem, podemos apreender tais processos discursivos a partir do conceito de paratopia criadora, que aponta para a compreensão de que o valor de um livro não emerge de uma contingência, mas antes das comunidades em que circula. Assim, a escolha por Dois Irmãos se deu não apenas pelo fato desta obra ser considerada uma das mais significativas da produção literária brasileira contemporânea, mas por uma série de indícios que a tornam um objeto profícuo para pesquisa: i. trata-se do livro mais vendido de Milton Hatoum, autor cuja “identidade autoral” é marcada como representativa nos chamados estudos regionalistas; ii. quando da proposição desta pesquisa, a obra já havia sido adaptada em uma história em quadrinhos e informações começavam a circular sobre uma adaptação em minissérie, cuja estreia ocorreu durante a execução deste trabalho; iii. há um número considerável de críticas e resenhas a respeito de sua produção, bem como entrevistas com o próprio autor; iv. o autor é reconhecido por narrar de modo incisivo sobre a cidade de Manaus, fato constantemente retomado na constituição de imaginários acerca de seus trabalhos Tais indícios nos possibilitaram avançar análises dos modos pelos quais o autor opera as regulações e os valores conjugados tanto às textualidades de sua obra quanto a sua própria figura de autor.

Dissertação_DeSerrão

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Diogo Chagas

Autoria e textualização: humor nos processos de inscrição discursiva na construção autoral de Tutty Vasques

Filiando-se ao quadro teórico da Análise do Discurso de linha francesa, mais precisamente, às reflexões propostas por Maingueneau e Possenti, este trabalho se desenvolve a partir dos estudos sobre autoria e humor. Para Maingueneau (2010), há três dimensões diferentes em relação à noção de autor: (i) a de autor-fiador; (ii) a de autor-ator e (iii) a de autor-auctor. Maingueneau (2006; 2010) lança mão, ainda, do conceito de paratopia criadora, que se refere a um desenvolvimento de três instâncias que forjam a construção autoral; as instâncias são as de inscritor, escritor e pessoa. Com tais considerações, Maingueneau (2010) entende que desse processo criador emerge uma imagem de autor, que pode estar relacionada a qualquer daquelas dimensões autorais (autor-fiador; autor-ator; autor-auctor). Ademais, este trabalho, se desenvolve levando em consideração o que Possenti (2009) propõe como sendo indícios de autoria, proposta de análise que entende que a autoria só pode ser entendida num nível discursivo, pelos indícios. No que se refere ao humor e textos humorísticos, recorremos às proposições de Raskin (1985) e Possenti (1998; 2013). Entendemos, nesse trabalho, que o humor é decorrente da sobreposição de scripts e que, nessa sobreposição, observável na textualização, é possível observar os indícios de autoria em funcionamento. O córpus desta pesquisa agrupa textos do período de outubro a dezembro de 2014 escritos por Tutty Vasques para a coluna Tutty Humor, para o blog Tutty Humor: má notícia é a maior diversão do Portal Estadão, e os textos de sua conta no Twitter @tuttyvasques. Os textos selecionados apresentam características similares: (i) são, em sua maioria, concisos e (ii) provocam um efeito de humor sempre relacionado a acontecimentos contemporâneos às suas publicações. Levando em consideração o estilo do autor e a materialização de discursos polêmicos, a análise do córpus pretende mostrar a imagem de autor que emerge em relação a Tutty Vasques.

Dissertação Chagas

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Helena Boschi 

A constituição da fórmula discursiva “cultura de paz”: circulação e produção dos sentidos

Este trabalho se inscreve no quadro teórico da Análise do Discurso (AD) francesa de base enunciativa, que vê a língua como constitutivamente opaca e polissêmica e os discursos como práticas discursivas que se estabelecem e se materializam nos dizeres e nas ações, obedecendo a sistemas semânticos histórica e socialmente definidos (cf. Maingueneau, [1984] 2008). Mais especificamente, tem como base principal a proposta teórico-metodológica de Alice Krieg-Planque (2003; 2010) acerca da noção fórmula discursiva, instrumentalizadora da análise da circulação e da produção de sentidos de sintagmas que, linguisticamente cristalizados, mostram-se, em seus usos, como lugares de tensão, pontos de convergência de questões sociais diversas debatidas no espaço público. De maneira complementar, contribuíram para a análise e a interpretação dos dados leituras paralelas de outras disciplinas, dentre as quais destacamos as referentes à Geografia Nova de Milton Santos (1994; 2000) em suas considerações no que tange ao período técnico-científico informacional e à importância das técnicas e das práticas em nossa concepção de tempo, de espaço e, enfim, de sociedade. Buscamos rastrear o percurso de “cultura de paz” no espaço público brasileiro desde sua gênese institucional, passando pelas condições de produção que permitiram sua emergência em 1989, no Congresso Internacional sobre a Paz na Mente dos Homens, organizado pela Unesco em Yamoussoukro (Costa do Marfim), e verificando sua consolidação e seu funcionamento como fórmula discursiva durante o período que ficou conhecido como Década Internacional de uma Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo (2001-2010 – Onu) até o momento atual, a fim de mostrar como é produzido um efeito de consenso na superfície linguística de um sintagma que, ao circular, é convocado por interpretações diversas que partem majoritariamente do sema central “convivência” (entre pessoas, com a natureza, entre as religiões, entre parceiros sexuais etc.). Como ponto de partida, fizemos um levantamento das ocorrências desse termo nos jornais Folha de S.PauloO Estado de S. Paulo e Brasil de Fato, de abrangência nacional, verificando posteriormente uma circulação mais expressiva do sintagma com uma vasta pesquisa realizada em buscadores, dentre os quais, destacadamente, o Google Search – decisão que implicou considerações de ordem metodológica que fizeram parte da pesquisa. Cabe enfatizar que consideramos mais importante a diversidade de fontes do que a quantidade e a repetição de ocorrências, entendendo os casos de maior dispersão como indícios importantes do espraiamento semântico de “cultura de paz” no interdiscurso e, portanto, de sua condição de fórmula discursiva. Desse modo, analisamos as diferentes interpretações que caracterizam os discursos de atores sociais que mobilizaram o sintagma, amplamente utilizado em encontros e documentos internacionais e nacionais, abrangendo questões políticas e sociais diversas, procurando verificar as práticas que o cristalizam e que são, ao mesmo tempo, por ele instituídas, num paradoxo constitutivo.

Dissertação_ Helena Boschi

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Letícia Clares 

Mediação editorial na comunicação científica: um estudo de dois periódicos de humanidades

Nesta pesquisa, propomos um estudo da mediação editorial na comunicação científica, buscando investigar como os processos de tratamento editorial de textos funcionam em dois periódicos científicos de humanidades (uma categoria posta em questão) e quais seus efeitos sobre a comunicação do conhecimento científico. Tomamos como objetos de análise a revista do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB-USP, Rieb, e a do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FFLCH-USP, Geousp: espaço e tempo, além de um conjunto de materiais que circularam sob a rubrica editoração científica em cursos, eventos e ofertas de serviços editoriais em ambientes especializados, procurando entender de que modo os ritos genéticos editoriais dão indícios da constituição da comunicação científica como uma instituição discursiva e, assim, em que medida as condições de produção dos periódicos produzem, entre outras coisas, um apagamento de que há diferentes comunidades discursivas. Com base no método descritivo-interpretativo característico da análise do discurso de linha francesa e à luz das propostas teórico-metodológicas de Dominique Maingueneau, mobilizamos a noção de cenas da enunciação, com vistas a traçar um panorama dos elementos conjunturais do universo discursivo editorial da comunicação científica e investigar como, nesse contexto, funcionam os periódicos. Observamos, assim, como os ritos genéticos editoriais se operam nesses materiais e se relacionam à constituição do cenário atual da comunicação científica, dados os modos como as diferentes práticas de textualização dos atores envolvidos nos processos editoriais evidenciam consensos e resistências nos processos de produção, circulação e consumo de conhecimento.

Dissertação_Letícia Clares

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Luciana Rugoni de Souza

O imaginário do revisor de textos nos ritos genéticos editoriais

Para muitos, a revisão de textos é um trabalho exclusivamente técnico, pois não se associa a tal atividade a complexidade que envolve os processos de correção, calibragem e sugestões ao texto de um outro, que tem dimensão normativa, portanto implicações ideológicas. Nesse contexto, analisa-se discursos variados sobre revisão de textos, textualizados em materiais que foram coletados em diferentes fóruns, na busca por compreender a dinâmica na qual determinados discursos são ditos (ou não ditos), e como eles são constituídos por meio do outro nos vestígios dos quais emerge um imaginário de revisor. O corpus é constituído por um conjunto de dados: (i) discursos referentes às práticas de revisão de textos, postos em circulação em diferentes ambientes, como fóruns e cursos específicos para a formação do leitor profissional; (ii) textos referentes às práticas de revisão de textos em uma comunidade intitulada Revisores, na rede social Facebook; e (iii) notas de coenunciadores editoriais num processo de edição de um livro didático de educação a distância. A discussão toma como referência os caminhos teóricos desenvolvidos por Dominique Maingueneau para apreender a maquinaria discursiva como cenas de enunciação das quais emerge um ethos discursivo (MAINGUENEAU, 2008; 2010), uma vez que permite analisar o lugar discursivo ocupado pelos mediadores editoriais, procurando identificar o imaginário de revisor de textos. Levando em conta essa questão, investiga-se, por meio da noção de ritos genéticos editoriais que Salgado (2011) propõe como método, a revisão de textos considerando a condição histórica, opaca e heterogênea do material linguístico com que esse profissional trabalha. As orientações teórico-metodológicas se justificam na medida em que possibilitam reflexões que nos permitem mostrar coletivos complexos, estabelecendo relações entre diferentes lugares e memórias, reveladores da posição nevrálgica da atividade de revisão de textos no mercado editorial.

Dissertação_Luciana Rugoni

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Tiago Fabris Rendelli

Ritos genéticos editoriais em pequenas editoras: relações entre mídium e curadoria na poesia contemporânea

Essa dissertação, desenvolvida entre março 2018 e março de 2020, apresenta os resultados da pesquisa sobre o impacto dos ritos genéticos editoriais em pequenas editoras de poesia em conformidade com o estilo dos autores. Para tal, utilizamos os conceitos de (i) mídium, desenvolvidos por Régis Debray (1995), segundo o qual a transmissão de uma mensagem está amalgamada nas condições materiais e técnicas, amarradas a uma teia institucionalmente demarcada, e de (ii) ritos genéticos editoriais, de Luciana Salazar Salgado (2016), que são os procedimentos pelos quais os originais passam antes de serem publicados. O objetivo desse trabalho é demonstrar que os ritos genéticos editoriais influenciam diretamente no estilo da poesia que está sendo publicada pelas casas editoriais selecionadas. Como base para essa análise, foram escolhidas quatro pequenas editoras: Penalux, Editora Moinhos, Editora Laranja Original e Editora Patuá. Foram realizadas entrevistas com os editores responsáveis com perguntas que perpassavam todas as etapas que envolvem uma publicação, desde o recebimento do original até o lançamento do livro. No primeiro capítulo, apresentamos a discussão teórica, considerando as definições do que são ritos genéticos editoriais, mídium, estilo e os relacionamos a uma perspectiva dos estudos da edição e do mercado editorial. O segundo capítulo apresenta a metodologia e as razões da escolha do editor para ser o centro dos questionamentos. O terceiro capítulo traz a análise das entrevistas à luz dos aspectos teóricos apresentados.

Palavras-chave: poesia, estilo, mídium, curadoria, ritos genéticos editoriais.

Dissertação_Tiago Fabris Rendelli